quarta-feira, dezembro 29, 2004

O Elemento Estranho

O Futebol sempre foi marcado pela existência de jogadores que, pelos seus recursos técnicos elevados, pela irreverência, pelo drible fabuloso e pela velocidade, e pela capacidade instintiva de resolver jogos, se tornam, não só os ídolos de muita gente como transformam o futebol num espectáculo único. Todos estes grandes talentos (mesmo aqueles como o Roger que nunca se enquadrou) recebem um carinho especial dos adeptos que esperam deles algo de magico, algo de surpreendente e que marque a diferença sobre os outros jogadores. Mas, apesar do génio, é necessário que haja um processo que enquadra o jogador com sede de protagonismo (porque todos os grandes génios têm esta vontade de se impor), de alguém que possa transformar o talento individual num objecto útil para a equipa, acrescentar ao génio, objectividade sem, claro, danificar os instintos que o tornam um elemento capaz de desequilibrar.

Roger, em Portugal, nunca teve uma vida feliz e acrescentando ao facto de que ele nunca se adaptou ao novo desafio (é bom não esquecer que Roger foi um dos investimentos mais caros do futebol português) e, com as lesões e sucessivos empréstimos, nunca se impôs no futebol português. E mais, sempre que ele jogava, dava a impressão de ser um elemento estranho que deambulava pelo relvado fazendo alguns toques geniais aos quais não alcançavam qualquer objectivo. Roger, com todos estes percalços nunca deixou de ser o “menino do rio” para ser um grande jogador de futebol mas, mais importante que todas as situações apresentadas aqui, Roger nunca se impôs aqui pois nunca existiu um treinador que potenciasse o seu talento em prol da equipa.
Texto publicado em 25 de Maio de 2004

terça-feira, dezembro 14, 2004

O Instinto Salvador

Com estes jogos da selecção, mas sobretudo pelo Portugal – Rússia, procedeu-se a uma revolução no onze inicial que merece uma meditação, não pelos efeitos que foram bastante positivos, mas pelas causas que tiveram na base desta aliança entre o povo e Scolari. O jogo com a Grécia revelou principalmente uma equipa desgastada (Portugal perdeu todos os confrontos individuais com os jogadores gregos) e sem um fio condutor de jogo pelo qual fosse possível um ataque organizado. O nervosismo aliado ao cansaço inerente a uma época desgastante e à velhice de determinados jogadores, foram apontados como os responsáveis do desastre e sentia-se que era necessária uma mudança.

No jogo com a Rússia, revelou uma equipa à qual foram executadas alterações de raiz na sua estrutura base o que, numa competição como o Euro, é sempre um risco modificar as bases de uma equipa que devia estar definida desde início. E, a leveza com que a equipa portuguesa foi modificada, leva-me a questionar uma coisa: o que é que aconteceu em três dias que possa destruir a convicção de um treinador que, ainda por cima com uma suposta “teimosia de ferro”, jogou com esta equipa durante um ano e meio? Na verdade isto revela, antes de mais, que a sua única convicção foi, contra tudo e contra todos, a convocatória de Ricardo em vez do Baia e que não tinha certezas em relação à equipa titular.

E vamos tomar como exemplo o caso de Fernando Couto que foi desde inicio um titular indiscutível e, após o jogo com a Grécia, fez parte do grupo dos escorraçados. A questão é: seria possível detectar durante o tempo de preparação, que Fernando Couto não estaria em condições de ser o titular indiscutível da selecção portuguesa? É obvio que sim e é com base nestes argumento que lanço a pergunta base: o que é que Scolari fez durante um ano e meio para proceder a uma revolução em pleno Euro?

Na verdade, Scolari revelou um instinto de sobrevivência ao atender não só à sensibilidade do povo como a da opinião generalizada dos jornalistas e, na sua “revolução”, teve como referencia um Porto que tinha sido campeão europeu o que, ao pedir “emprestada” a espinha dorsal desta equipa, revela a falta de uma ideia para o futebol português pela qual Scolari nunca poderia revolucionar o futebol português como afirmou no inicio.

Contudo, este mesmo instinto vai salvar Portugal da mesma sorte que teve António Oliveira há cerca de dois anos (não tinha nem ideias, nem sensibilidade, nem um Porto como a melhor equipa da Europa e nem uma ponta de sorte) e provavelmente levara Portugal à final do campeonato europeu e, com sorte, à vitória.
Texto publicado dia 30 de Junho de 2004