terça-feira, novembro 23, 2004

Quando o espectáculo é desnecessário

Numa equipa pequena, onde as deficiências são mais evidentes, surge uma figura que, apesar de condicionada, representa o último reduto destas quando o desespero se sobrepõe à capacidade de jogar futebol. Nesta medida, o guarda-redes é peça essencial à equipa não só pela sua espectacularidade e exuberância como, em caso de extremos, pode transformar-se na referência máxima da equipa encontrando nele um salvador nos jogos mais difíceis. Neste campo, a pressão é menor e permite ao jogador desinibir-se para fazer tudo o que está ao seu alcance de modo a responder todos os requisitos da equipa que, tendo em conta todas as fragilidades inerentes à dimensão desta, são bastantes.As equipas grandes têm tendências a tentar importar estes grandes talentos contudo, e só em casos muito raros, eles adquirem o mesmo estatuto que possuíam na equipa de onde provieram.

E em Portugal a maior parte dos guarda-redes de referência são formados nas escolas dos grandes clubes. Contudo, a referência máxima actual da baliza portuguesa começou por ser uma reacção a este espectro (Vítor Baia) e, deste modo, ascendeu à selecção nacional como solução de recurso. Isto claro não esquecendo dois pontos importantes: o momento de ascensão de Ricardo coincide com a lesão que afastou Baia dos convocados e também com o campeonato ganho pelo Boavista na época 2000/2001.

Os grandes méritos de Ricardo são feitos durante o momento alto do Boavista onde ele se sentia verdadeiramente realizado. Numa equipa em que o futebol espectáculo propriamente dito era inexistente, Ricardo fazia parte das poucas figuras que era capaz de fabricar momentos inesquecíveis no Boavista que foi Campeão Nacional. Naquela equipa, ele sentia-se verdadeiramente feliz pois fazia parte do "one man show" (se excluirmos Sanchez...) e, no palco do Bessa, sentia que o público esperava sempre dele algo de incrível visto que o resto da equipa era simplesmente a mais pragmática. A ascensão à selecção nacional parecia justa aproveitando ainda o fracasso do mundial de 2002 que, de certo modo injustamente, Baia sai prejudicado ocorrendo assim, naturalmente, a passagem de testemunho para Ricardo.

Parecia também justo que depois de tudo isto, obtivesse um lugar numa equipa maior e eis que aparece o Sporting que adquire o passe. Contudo a mudança de palco revelou-se algo decepcionante para todos os que esperaram que Ricardo tivesse a mesma influência. Aliás tudo é diferente: o Sporting é uma equipa de outro nível e o guarda-redes deve ser, nestes casos, apenas mais um elemento de toda uma equipa que tem outros objectivos mais altos e, mais do que espectacular deve ser sobretudo consistente e responsável visto que a pressão, que era inexistente no Boavista, agora é muito superior. E maior parte dos erros de Ricardo surgem ou por precipitação ou tentativa de fazer espectáculo, mostrando falta de maturidade e incapacidade de gerir a pressão.

Mas a raiz dos problemas está noutro ponto que parecia ultrapassado: o fantasma do regresso de Baia. Na verdade, já não bastava a pressão de querer ser espectacular a todo o custo como ainda tinha o verdadeiro dono da baliza a querer voltar ao lugar que lhe pertence e sabendo ainda que o Porto de Mourinho era naquele momento uma das melhores equipas da Europa. Scolari continua na sua demanda ao defender Ricardo mantendo a confiança nele, mas até que ponto é que não estará a pressioná-lo ainda mais? E é a incapacidade de gerir as pressões (a necessidade instintiva de ser espectacular com o conflito da titularidade na selecção nacional) que fragiliza Ricardo e o torna não só permeável ás criticas dos outros como deste modo se questiona todo o momento de ascensão que o tornou titular do Sporting e da Selecção Nacional.

É que a diferença entre Ricardo e Baia é muito simples: Baia é formado nas escolas do Porto, ou seja, desde inicio teve a pressão de jogar numa equipa na qual exigia outras capacidades, portanto, exigia-lhe a perfeição (em dois remates tinha de os defender a todo o custo). E Ricardo, que só agora alcança uma posição deste nível, tentava ser o mais eficaz possível, ou seja, em dez remates tinha de tentar defender quantos pudesse e, deste modo, revela-se as diferenças a nível da exigência.

Todas estas situações revelam a necessidade de crescimento a vários níveis e o tempo pode ser bom conselheiro a Ricardo que precisa de crescer, não só enquanto guarda-redes (e nesse aspecto todas as insuficiências que lhe apontam o tempo tende a dissipa-las) como também enquanto pessoa na medida que tem de aprender a lidar com a pressão sob o risco de perder tudo o que conquistou.